Cozido
Capixaba
Para saborear esta iguaria, leve a cozinhar muito mais que ingredientes
encontrados nos mercados "de ver pesos", quitandas de "secos e molhados" e
empórios que atiçam, estimulam, provocam, desafiam e salientam o paladar
com suas alquimias de ervas, raízes e cheiros... Anote, ainda, para não
cair no esquecimento...e não desandar o "refogado", que toda esta receita
começou a ser preparada e posta a fumegar, "ao lume", no apagar das luzes
do Século XV. Neste ponto, providencie uma viagem no tempo; embarque nas
naus que singravam os 'sete mares' impulsionadas pelas forças do vento e
solte o leme da imaginação... Adicione, assim que atear fogo à chapa de
seu fogão e ao assentar sua panela por sobre o mesmo, as subjetividades
sócio-antropológicas de uma gente que ergueu sua cultura nos modos e
jeitos do povo Bárbaro. Os velhos marujos, os grandes navegadores, o cotidiano de preparação para longíguas conquistas, num antigo porto à
Latitude 40 e Longitude 0 de Greenwich, tomando o Norte como referência e
saída das exatas localidades de Lisboa, Porto e Faro.Certamente urge o
tempo para juntar-se, ao recipiente aquecido, o óleo e carnes previamente
temperadas. Começa, então, o momento duplamente crucial: tostar o essencial deste prato e dourar a maneira exótica e especialmente peculiar
dos habitantes que surgiriam da união do povo conquistador, das gentes
trazidas através da dominação e dos grilhões e dos nativos conquistados...
Hora de fechar (como rezam os manuais de instrução) hermética, culinária e
historicamente a panela de pressão...a elaboração de gostos pelo cozimento
'no ponto', e do fabrico de um 'olhar' e de um ser 'olhado' no e pelo mundo dar-se-á nesta etapa... Os instantes na cozinha passam...os períodos
seculares escorrem na complexa ampulheta do Planeta Terra... E o povo de
pele negra e alma azul sobrevive, na mais dolorosa significação da dor que
o poeta conseguiu, por tantas e mais outras vezes, expor e concretizar em
versos:"O tempo...Horas de horror e tédio da memória..." (Estrela da Vida
Inteira - Manuel Bandeira) os enlevava numa nostalgia mortal, em uma estranha doença que transpirava nas
senzalas dos engenhos, na chibata que
subia e descia no 'lombo' e que ardia no moral dos muitos reis e rainhas,
de berço, do passado universo de África; acorrentados, no presente, aos
humilhantes troncos dos senhores escravagistas. Saudade da pátria...uma
forma de loucura ou suicídio forçado dos seres de alma azul: Banzo! Não
perca os olhos da panela...a pressão dada às substâncias ali juntadas
estão, naturalmente, sendo elaboradas ao chiado ininterrupto da válvula...
Da floresta densa, uns seres de derme parda e essência luminosamente amarela, no mesmo tom do Astro-Rei, uniu o urucum, as palavras de um
estranho idioma, os acessórios para caça, pesca, guerra, instrumentos
auxiliares de seus perdidos dias verdes de mata, de indolência inocente ao
calor das infinitas praias de areias brancas e amareladas; de liberdade de
existir e interagir fraternalmente com a natureza...como a compor a mais
bela de todas as sinfonias: o amor grato e dedicado ao sol, à lua, às
estrelas na noite, ao mar, aos rios, às exuberantes fauna e flora postas e
plantadas, por essas paragens dos trópicos, pelas mãos carinhosas, apaixonadas e de predileção indisfarçável da Criação...De seus ritos e
crenças; de sua dança espalhafatosa e de música diferente; da sua moda de
corpos pintados e semi-nus; das suas muitas fonéticas ramificadas por lá e
por cá - donde a língua não mais articulava para poder fluir - ; roubado,
aprisionado e agredido sucumbiu o representante terno da raça humana: o
índio brasileiro. A esta altura...apague o fogo e abra a sua panela, atendo-se aos cuidados elementares indicados. Passe tudo o que está numa,
para a outra panela genuinamente especial... Sim, sim...! Arrume os componentes do seu quitute, porque o relógio dos anos girou
vertiginosamente e se pôs avançadamente à sua frente! Agora, na acomodação
dos últimos complementos da produção desta comida, a sua compreensão sobre
as origem e estirpe desta gente 'amorenada'; num arco-íris de ascendências
e descendências de uma espécie de trilogia racial ímpar, atingiu a um modo
de entendimento substancialmente confuso: o gosto por acepipes de
trabalhosa digestão fundidos nas manhãs quentes de um verão torridamente
tropical, de tardes com crepúsculos acobreados no outono, de primavera
explosiva em mil tipologias de flores e cantos de pássaros, ou do tímido e
desapercebido inverno que, tão-somente, tornam amenas as noites abaixo da
Linha do Equador...raciocine! Faça uso de sua postura de 'gourmet' esclarecido: ela o conduzirá pelo caminho das várias vertentes
academicistas sobre a aparição das três etnias básicas que formaram a
identidade cultural do Brasil: o português, o africano e o indígena...na
palma de sua mão o 'naco' de carne cozida lhe faz refletir sobre a Teoria
Esquimó ou Uraliana (povos dos Montes Urais, entre a Europa e a Ásia, que
teriam chegado nas Américas, provavelmente a do Norte, pelo Ártico)...será?!...mas...e a Teoria Asiática...(povos que passaram para as
Américas (Norte e Sul) a aproximadamente 30 mil anos, durante os períodos
interglaciais, pelo Estreito de Bering)...é uma possibilidade...! Contudo,
como ignorar a Teoria Australiana (que acredita no postulado de que seus
representantes mais expressivos seriam certos grupos do Sul da Argentina e
do Chile)...?! Também é impossível não pensar sobre a Teoria Malaio-Polinésia (grupos melanésios e polinésios que, por serem, ainda
hoje, grandes navegadores, teriam atravessado o Oceano Pacífico chegando
às Américas Central e do Sul)...ou, a Teoria Autoctone (das civilizações
primitivas, em que os povos são nativos, propriamente dito, da evolução
das espécies - Charles Darwin)...? Não! Definitivamente...por mais que
você "belisque" (provar furtivamente, no paladar) pedacinhos de carnes,
legumes e suculentos caldos e pirão...o seu tino não lhe aponta como rota
correta nenhuma dessas premissas... Melhor levar a servir.
Porém, ao depositar a pesada e quentíssima panela de barro à mesa e
destampá-la, para a alegria dos ansiosos convivas, sua intuição desperta e lhe dá a lógica resposta às suas 'inquietações'
gastronômicas e antropológicas!
É óbvio! A razão reside num único, mais que correto e perfeito teorema: o
da Miscigenação Brasileira! A confluência de maneiras de agir na engrenagem sofisticada do mundo civilizado, já à época, que possuía o povo
português; somado à dureza dos corpos e a sensibilidade dos espíritos das
gentes da "doutrina dos magos" e da imensa intimidade destes entre o natural e o sobrenatural, trazidas (pela violência) de África; e mais os
seres florescidos na mata verdejante, crescidos junto às cachoeiras, e
envelhecidos na sabedoria de uma sociedade em que caciques, pajés, curumins (criança) e ayratys (mulheres) formavam uma nação perfeita, cujo
principal dogma era a liberdade e o mais importante totem a natureza!
Deste encontro mágico fecundaram ritmos, danças, dialetos, pessoas de
genótipos extraordinário, sertões e cidades de raras belezas, culturas,
formas e feitios que tornam os quatro outros continentes eternos enamorados deste lugar...lugar de tamanho e contradições gigantes pela
própria natureza...a famosa Aquarela Brasileira impressa! Assim, é imperativo entender, particularmente, ao 'aviar' esta receita que, uma a
uma das três etnias ajudaram na feitura deste prato de gastronomia supimpa! A saber: O português trouxe o uso da carne bovina para a
culinária brasileira. O africano, a criação da panela de barro e a ciência, dentro de sua carência, das 'misturâncias' de elementos
ingeríveis. O índio, os legumes, as ervas comestíveis e cheirosas do mato
e o fabrico da farinha de mandioca... Portanto, passe a observar mais cuidadosa e profundamente a questão da miscigenação "verde-amarela"...ela
está muito além da alegria descarada das cores do Carnaval, da culinária
misturada das cozinhas, transcende aos problemas - estruturais e conjunturais - sociais estampados no par de olhos de cada habitante; na
oralidade...quase que como um dado genético dessa gente; nas letras dos
poemas e/ou da musicalidade que caminha brejeira por cada esquina e quaisquer cantos do Brasil e na extraordinária cordialidade que faz deste
povo diferente a excelência em saber viver e sobreviver.
Afinal... pra nascer brasileiro tem de ser do 'balacobaco'!!!!!!!!!!!
Ingredientes:
-
4 batatas-inglesas (médias)
-
2 cenouras (grandes)
-
2 chuchus
-
1 repolho (pequeno)
-
3 batatas-doces (médias)
-
15 vagens
-
1/2 abóbora vermelha
-
4 inhames
-
4 bananas-da-terra
-
8 quiabos
-
5 jilós
-
1 maço de couve
-
4 batatas-baroas
-
4 pedaços de aipim
-
4 tomates
-
4 cebolas brancas
-
2 maços de cebolinha verde
-
2 maços de salsa
-
1/2
kg de peito de boi (sem osso)
-
4 linguiças de paio
-
1/2
kg de carne-seca
-
4 pedaços (médios) de linguiça calabresa
-
6 pedaços (médios) de bacon
-
2 caldos de carne
-
1 caldo de bacon
-
2 cabeças de alho (grandes
-
Sal
-
Colorau
-
Óleo
-
Conserva de Pimenta Malagueta para servir à mesa
Confecção:
Corte a carne de boi em cubos grandes e tempere com alho socado e sal a
gosto. Retire todo o sal da carne-seca, corte em cubos, tempere com alho
socado e pouco sal.
Junte essas carnes na panela de pressão, com 1/2 xícara (chá) de óleo, mais o paio, o bacon e a linguiça calabresa. Doure,
adicione uma quantidade de água que cubra as carnes, ao modo de refogado.
Cozinhe na pressão por 40 minutos; sendo que, aos 30 minutos, abra a
panela e adicione as cenouras, a baroa, o aipim, o inhame, a batata-doce e o repolho.
Transfira o caldo, as carnes e os demais ingredientes da panela de pressão
para uma panela de barro (grande) com tampa. Adicione, então, os demais
ingredientes e mais 1/2 litro de água.
Arrume da seguinte maneira: carnes
e legumes que foram cozidos na pressão - 1ª camada. Na 2ª camada, organize
os legumes de cozimento rápido. Termine com a 3ª camada sendo dispostos as
bananas, os jilós, couve, batatas-inglesas, chuchus, abóbora, quiabos e
vagens.
Por cima de tudo acrescente os tomates e cebolas brancas cortados
em cubinhos, a salsa e a cebolinha verde cortados pequeninos, sal a gosto,
um cubo de carne, um outro de bacon e colorau (urucum). Tampe. Estará
pronto assim que as batatas-inglesas estiverem cozidas.
Pirão Ingredientes:
Confecção:
Numa panela, à parte, ponha óleo o quanto baste para dourar o alho,
depois,junte (retirado, com uma concha, da panela de barro) o caldo do
cozido, e desmanche o tablete de caldo de bacon. Proceda da seguinte forma, para colocar a farinha de mesa (mandioca): dissolva cada xícara
(uma a uma) em outra de água e vá adicionando, aos poucos, mexendo ao
caldo fervente da panela.
Prove o tempero.
Observando sempre para que não fique salgado.
Sirva numa panelinha de barro, que é para manter a temperatura bem quente.
fonte: Eliane Resende
Vitória - Espirito Santo
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