"Acredito que nas marés de incerteza,sempre tem uma onda de boas notícias"...Alessandra Piassarollo
Mas nesse caso estamos a subverter a imagem de abundância na mesa de Natal, certo?
Esta inversão das proporções choca com a crença que as pessoas têm, ou seja, servir bem é servir muita carne. Quando chegam os períodos de festa esta imagem é potenciada. Se há momento para cometer alguns excessos são estas ocasiões especiais. Mas temos de saber que excesso não é o mesmo que descontrolo. Mesmo neste período de festas não podemos replicar uma mesa farta nos dias anteriores e posteriores ao Natal, prolongando até ao Ano Novo e aos Reis. As pessoas têm de se disciplinar, fazer menos comida e, se sobrar, escoar o que ficou sobre a mesa, partilhando com a família, amigos. Podemos ir mudando aos poucos. Diminuindo a cada ano, entre 10 a 20%, a quantidade de alimentos.
A Cláudia referiu o peixe. Associamos de imediato ao bacalhau. Não é um prato equilibrado, sendo cozido e tendo legumes e vegetais?
Sim, mas não vamos comer duas ou três postas de bacalhau, basta uma. Temos de considerar que lhe acrescentamos o ovo, incrementando assim a proteína animal. Também há que moderar na batata. Agora, há que reter que podemos abusar nos legumes. Se conseguirmos juntar o grão, será excelente. É um alimento que nos vai conferir saciedade e, claro, muitos nutrientes. Com isso não iremos abusar da restante mesa.
Ainda não falámos do azeite. É excelente, mas até ai parece haver restrições, concorda?
Sim, as pessoas têm de ter alguma moderação no consumo desta gordura vegetal. Sabemos que a gordura em termos de palatabilidade é muito boa e o azeite confere um sabor excelente a certos alimentos, o que inclui o bacalhau. Sabemos que é uma gordura boa, mas temos de ter consciência que mesmo estas em excesso podem contribuir para o aumento de peso. E temos de pensar que o azeite não vem só, junta-se por exemplo ao açúcar.
A Cláudia quer deixar-nos algumas sugestões simples para organizamos de forma mais racional a mesa de Natal?
Um truque interessante é a pessoa servir em pratos mais pequenos, por exemplo de entradas. O prato está cheio embora com uma dose menor. Começar a refeição com uma sopa. Estando nós no inverno, uma sopa de feijão e hortaliça é muito aconchegante. Também podemos ter uma entradas com tomate cherry, queijo mozarela e umas folhinhas de manjericão. Não são tradicionais, mas têm uma componente nutricional interessante.
Posto isto, devemos servir primeiro o peixe com as leguminosas. Como já ingerimos a entrada e a sopa criámos saciedade. Quando chegar o segundo prato, por exemplo o peru, a dose também será moderada. Uma boa medida é a palma da mão. Podemos ser criativos nos acompanhamentos, fazendo um puré de grão e batata-doce cozidos. Isto numa proporção de 50/50. Tudo triturado e juntando um pouco de leite. Temperamos com azeite se quisermos um pouco mais de untuosidade. Adicionamos pimenta preta e noz moscada. O ideal seria dividir os dois pratos principais entre a noite de 24 de dezembro e o almoço de 25.
Nas entradas podemos incluir os frutos secos?
As nozes, as avelãs e as amêndoas devem estar na mesa, mas com moderação. Pessoalmente deixaria os frutos secos para o final da refeição, pois podem substituir parte dos doces e têm fibras.
E, ai, nos doces, temos o pecado capital…
[Risos] Se há altura do ano em que podemos comer doces, é certamente esta. Mas, uma vez mais, temos de fazer uma boa gestão do que comemos. Os nossos mecanismos de controlo de saciedade encontram sempre novos caminhos e acabamos por encontrar disponibilidade para petiscar mais uma azevia, fatia de bolo-rei, o que seja. Deixo uma dica, diminuir a dimensão das sobremesas tradicionais. Se optarmos por sobremesas menos clássicas no Natal, podemos juntar à ementa doces mais moderados, por exemplo com ingredientes light. Também não devemos abdicar da fruta e se lhe quisermos juntar um elemento guloso, podemos fazer um fondue de chocolate.
A Cláudia fala nos doces light. Contudo, esta “leveza” pode ser sinónimo de abusos?
Quando se fala no light pensamos em substitutos menos calóricos, como leite em vez de natas, evitar a manteiga ou a introdução de açúcares alternativos. Como é light a pessoa tem tendência a ingerir todo o conteúdo da taça. Está errado, claro. Neste caso é preferível optar pelos doces tradicionais e comer menos.
Quando olhamos para o elenco de doces de Natal encontramos a abóbora, o grão, a batata-doce. As pessoas podem associá-los a doces light pois têm vegetais e leguminosas, certo?
Sim, pode haver essa associação. Sempre que falamos de alimentos ricos em hidratos de carbono, ligamos ao conceito de índice glicémico. Quando fazemos uma transformação do alimento, como o grão, que tem baixo índice glicémico e o trituramos, este parâmetro sobe. O mesmo vale para a batata-doce. No caso das sobremesas é ainda mais grave, pois estamos a juntar-lhes açúcar e fritamos. O facto de lá estar o vegetal é irrelevante. Algo semelhante se passa com os sumos de fruta naturais. Têm um índice glicémico muito elevado porque estão triturados e juntamos no mesmo copo duas ou três peças de fruta.
Ainda não falámos das crianças. Que atitude devemos ter para com elas em relação à mesa de Natal?
As crianças comem a sopa, o bacalhau e chega. De resto, vão brincar e libertamo-las da mesa. Quando chegamos às sobremesas, não precisamos de as chamar. Se os mais pequenos quiserem virão. Devemos canalizar energias, por exemplo, para ensinar a criança a gostar de frutos secos. Associamos muito o conceito de bem estar, de carinho, de afeto para com as crianças ao facto de lhes oferecermos doces. O carinho está nos abraços e nos beijos. Se elas não andarem à procura de doces não é necessário oferecermos. E se elas quiserem h´aque deixa comer, mas mais uma vez com moderação e passar a mensagem.
Os excessos das festas continuam com o Ano Novo. Presumo que o conselhos que deixa sejam os mesmos, ou seja, moderação e bom senso?
Temos de evitar que o Natal à mesa se prolongue pelo 26, 27 e 28 de dezembro. A noite de final de ano deve seguir a regra da Consoada. Eventualmente, sobrando comida, pode mesmo congelar e utilizar mais tarde. Ou evitar as sobras, planeando as compras e adquirindo menos. No fundo dimensionar. Não é restringir, é fazer uma gestão racional da mesa. É claro que o Ano Novo é uma festa com uma componente familiar menor do que o Natal e ai caímos na questão da oferta na restauração e hotelaria.
E também acrescentamos outro item, o álcool. Há perigos como todos sabemos…
O Ano Novo é muito propenso a excessos também neste campo. As pessoas podem beber um copo ou dois. Repare, o álcool tem 7 kcal por cada grama. No contexto de uma refeição, o álcool entra facilmente na via de produção de energia. Se fizermos, por exemplo, um jantar excessivo e ingerirmos álcool, uma percentagem deste, a rondar os 30%, é absorvida directamente pelo estômago e convertida em energia. A restante energia, fornecida pelos alimentos, é armazenada sob a forma de gordura.
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