"Quem não se importa com o próprio estômago, dificilmente se irá importar com outra coisa"...Samuel Johnson
A modernidade me parece ter sido extremamente prosaica no desenvolvimento de novas tecnologias, que de uma forma ou de outra, tinham e ainda tem por objectivo facilitar a vida das pessoas. Entretanto creio que os avanços desenvolvidos nesta época não nos proporcionaram um "ganho" de tempo, um maior período para a prática de actividades que nos são costumeiras e prazerosas, ou seja, não temos hoje "mais tempo" do que os cidadões de outras épocas para a realização de determinadas tarefas. Neste contexto passamos a dar preferência por tudo aquilo que signifique economia de tempo. Considero que um dos resultados desta "mentalidade" pode ser observado na proliferação de redes de fastfood que espalharam-se pelo mundo afora principalmente a partir das últimas décadas do século XX.
Um outro reflexo do "movimento fastfood" também pode ser percebido através da disseminação de um estilo de vida e de alimentação voltada para receitas do tipo "rápidas, fáceis e práticas". Para constatar nossa afirmação basta examinarmos os roteiros dos programas de televisão dedicados à culinária não só no Brasil mas também no exterior. Geralmente o apresentador do programa anuncia, sem nenhuma vergonha, em alto e bom tom, que em determinado programa estará apresentando uma receita "rápida, fácil e prática". As revistas dedicadas à gastronomia seguem, em muitos casos, o mesmo estilo, estampando em suas capas o jargão "fácil, rápido ou prático" , associando-o às receitas contidas na respectiva edição.
Não sou adepto deste tipo de "movimento" que estamos assistindo, pois, caro leitor, você há de convir comigo que não há nenhuma receita de uma boa feijoada que possa se aplicar aos qualificativos que estamos comentando, ou seja, "fácil, rápida e prática". Toda feijoada que se preze deverá levar na sua preparação pelo menos algum "punhado" de horas, a não ser que você se satisfaça com as versões congeladas que encontramos hoje em dia nos supermercados, e que ficam prontas em poucos minutos de forno microondas. Entretanto duvido que esta opção possa superar, ou até mesmo alcançar, em termos de qualidade e sabor, aquela feijoada pacientemente preparada as vezes de um dia para outro.
No sentido contrário ao estilo comida-rápida, surgiu por volta de 1986 em Roma na Itália o movimento SlowFood cujo símbolo é um significativo caracol. O SlowFood, que já conta com mais de 60.000 membros espalhados por todo o mundo, é um movimento que segue uma filosofia voltada para a preservação da satisfação e do gosto não somente na degustação dos alimentos mas também no processo de preparação, preocupando-se até mesmo com o cultivo dos alimentos de forma ecologicamente correcta, dando preferência, por exemplo, aos produtos orgânicos, ou seja, produtos que não tenham sido preparados com a utilização de produtos químicos.
Procurando manter a estreita relação entre comida e cultura, que aliás é um de seus objectivos principais, o movimento SlowFood através de seus representantes e membros associados, criou nos mais diversos cantos do mundo eventos chamados de convivium, que tem por finalidade a celebração da cultura local pela via gastronómica. Estes grupos reúnem-se periodicamente para a degustação dos pratos típicos da região onde está se realizando o evento e procuram desta forma, com destaque à culinária, transmitir e preservar as tradições culturais de uma determinada localidade.
De forma sintetizada podemos dizer que o SlowFood tem entre seus princípios fundamentais, além dos já expostos acima, a defesa dos pequenos prazeres e do ritmo de vida do homem; oposição a extremada simplificação das refeições; oposição ao uso desnecessário e excessivo dos produtos químicos e agrotóxicos no tratamento dos alimentos e por último, preservar os tradicionais significados culturais da culinária nas mais diversas regiões.
Penso que em época de globalização pra lá e globalização pra cá, são sempre bem-vindas iniciativas como estas propostas pelo movimento SlowFood para nos lembrar que podemos fazer, ou pelo menos tentar fazer, outras opções em nossas vidas além daquelas preconizadas pelo arautos da modernidade. Um pouco de sabedoria para podermos dosar, em nosso dia-a-dia, as vantagens trazidas pela modernidade com certos prazeres contidos em nossas mais caras tradições e costumes, acredito que não fará mal a ninguém.
Desta forma poderemos preservar, pelo menos nos finais de semana, um período para dedicação aos prazeres da gastronomia, da preparação à degustação dos alimentos, incluindo-se aí um outro aspecto da comida em nossa sociedade que é a capacidade de unir as pessoas em volta da mesa, mas isto será um tema para uma próxima oportunidade.
Renato Mafra *
* O Autor é Cientista Social e mestrado em Antropologia pela Universidade Federal de Santa Catarina, além de interessado pela Gastronomia.
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