Ao
escrever este Prefácio recordo-me da década de 70,
quando iniciámos as primeiras campanhas, à escala
da população global, contra as doenças do coração
que queríamos prevenir.
«Você que me lê:
meça a tensão arterial, reduza a ingestão de
sal, coma menos gorduras animais, controle o peso, faça mais
passeios a pé»
Foram as primeiras regras publicadas em 1972, no Diário de
Lisboa de então.
Em colaboração com Pereira Miguel e a par de Nogueira
da Costa, identificámos a hipertensão arterial como
a doença número 1 dos Portugueses, a qual matava sobretudo
por acidente vascular cerebral.
E para a combater e evitar era preciso medi-Ia, controlá-la
( com medicamentos se necessário) e corrigir os hábitos
alimentares-e aí começou a grande luta contra o excesso
de sal, de gorduras e de açúcar. Recebemos apoio da
Radiotelevisão Portuguesa -e o canal Único de então
conduziu-nos à vitória. Já em 1977 a Organização
Mundial de Saúde recomendava aos outros países europeus
que seguissem o exemplo de Portugal, utilizando a televisão
para educar as populações sobre os caminhos da saúde.
E pela OMS fui convidado várias vezes, como seu conselheiro
temporário, para levar o testemunho português junto
de outros países europeus e de outros continentes.
Em 1979, pela primeira vez em décadas, as mortes por acidente
cerebrovascular começaram a baixar em Portugal (éramos
até aí os campeões do mundo!). Sempre atribuí
grande parte do nosso êxito ao profissionalismo, ao saber
e às qualidades didácticas de Maria de Lourdes Modesto.
Quando os próprios Americanos -pela boca de William Kannell,
de Framingham, o homem que nos deu as bases da prevenção
cardiovascular -afirmavam serem precisas duas ou mais gerações
para modificar os hábitos alimentares de uma população,
Maria de Lourdes Modesto -«especialista de culinária»,
como sempre se intitulou -confeccionava as refeições
mais saborosas no écran da TV; reduzindo drasticamente o
sal, usando menos gorduras e substituindo as gorduras animais, saturadas,
por vegetais, insaturadas.
Em escassos anos alterou alguns (maus) hábitos alimentares
dos Portugueses, ajudou todos a identificar o sal como inimigo a
abater, multiplicou as ementas saborosas em que o substituía
pelo recurso às ervas aromáticas, algumas tradicionais,
outras não reconhecidas, e outras ainda que importou.
Foi ela um dos leigos que, com os cardiologistas, assinaram a escritura
que oficializou a criação da Fundação
Portuguesa de Cardiologia, em 1979. Nos anos seguintes publicou,
para apoio das nossas campanhas de prevenção cardiovascular,
um sem-número de receitas saborosíssimas, com pouco
sal, poucas gorduras e quase sem açúcar.
Descobrira uma nova vida: em vez de livros de cozinha que faziam
engordar, de forma pouco saudável, quando em excesso, idealizava
agora pequenas alterações aos pratos tradicionais
de forma a lhes não tirar o atractivo quando os transformava
em saudáveis.
Repito: ela foi a arma secreta que nos trouxe os maiores êxitos.
Foi a alma da experiência de Rio Maior, quando uma freguesia
inteira aprendeu a não usar sal, baixando toda ela o nível
da tensão arterial. Foi convidada para leccionar na Universidade
de Coimbra pela jovem e entusiasta Professora Doutora Maria Helena
Saldanha. Enquanto fui presidente não falhava uma só
festa da nossa Fundação Portuguesa de Cardiologia,
no «Mês do Coração», fornecendo
«salgadinhos» sem sal, bolos sem açúcar
e pão do coração, fabricado ao momento, com
dez vezes menos sal.
Ficou desse tempo a promessa de um livro de culinária que
ajudasse os Portugueses a comerem de forma inteligente, e todavia
agradável e saborosa, ajudando assim a evitar as doenças
do coração. Entretanto criámos o Instituto
Nacional de Cardiologia Preventiva, em 1986. Neste momento é
a Dra. Alva Seixas Martins quem ajuda a Fundação e
o Instituto nestes problemas.
Mas a promessa ficou viva. E é no momento em que o Programa
CINDI-Portugal, apoiado pela Organização M undial
de Saúde e cientificamente coordenado por mim próprio,
se implanta em Portugal, reafirmando que «nós somos
o que comemos», e que a dieta saudável, racional e
inteligente promove a boa saúde e contribui para prevenir
não só as doenças do coração,
mas todo um conjunto de doenças não transmissíveis
-com destaque para as cardiovasculares, o cancro ou a diabetes -é
neste momento que surge providencialmente este Livro de Receitas
Saudáveis, escrito com o coração.
Maria de Lourdes Modesto e Alva Seixas Martins são as autoras,
os Portugueses são os grandes beneficiados. E todos no Instituto
Nacional de Cardiologia Preventiva, que agora dirijo, confessamo-nos
desvanecidos e muito reconhecidos.
Somos afinal todos nós, portugueses, que aproveitamos, aprendendo
a comer melhor a nossa comida e a viver melhor a nossa vida, com
mais anos e mais saúde.
Janeiro 1992
FERNANDO DE PÁDUA
Presidente do Instituto Nacional de Cardiologia Preventiva
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